A parada Gay de Rio Branco deste ano está dando o que falar. Já ouvi coisas no ônibus, nas ruas, bafafá nas mídias sociais e jornais. Mas, hoje cedo uma matéria no jornal local de uma retransmissora da Rede Globo me revoltou. Questões éticas profissionais a parte, não pretendo falar disso neste post. É o assunto da matéria. É polêmico e está sendo polemizado de forma irresponsável ao colocar todos na velha dualidade bem versus mal, e cada qual se enxerga como bem e outro como mal. Indignando com sentimento de revolta profunda todas as (múltiplas) partes afetadas tirando a possibilidade de dialogo. Então, não aguentei preciso falar. Pontuar algumas questões que andam gerando fumaça nos meus miolos. Talvez escrevendo chegue a algum lugar. Talvez se a internet prove ser um lugar também de escuta e não apenas todos falando ao mesmo tempo, alguém me escute e pontue mais questionamentos pra muá.
O estopim da história toda foi uma foto que mostra dois homens simulando sexo oral no meio a multidão. Mas, não é simulando igual quadro do programa Linha Direta. O homem não estava com a boca naquilo, nem aquilo na boca. Estava com a língua no pênis de borracha que o outro segurava. Posou para foto e com certeza nessa hora deve estar se arrependendo piamente da gracinha. Só que o assunto cresceu. E, já tem manchete dizendo que o governador quer pedido de desculpas, tem também (para não fugir da rotina) a Assembléia Legislativa do Acre fazendo sessão para o assunto, dizendo que é uma afronta a família.
Pêpepêo! Rodei a baiana neste instante. Afronta a família são eles que deveriam trabalhar e não ficar discutindo assuntos de forma atravessada não colaborando em nada para a construção de uma sociedade com equidade como prevê o quinto Artigo da Constituição Federal. Afronta a família é corrupção, é roubo do dinheiro público, é compra de votos, são concessões de telecomunicação nas mãos de determinados políticos. Estas sim são afrontas as famílias e ninguém na Assembléia fez ou faz sessão repudiando isso.
Confronto. Foi mais ou menos isso que eu senti durante a Parada Gay. Não vi a cena lá na hora. Mas, senti no ar um confronto. As pessoas chutando o pau da barraca para mostrar que existem são livres e precisam ser respeitadas. Afinal, em Rio Branco foi uma ano cheio de acontecimentos e declarações polêmicas dos nossos representantes do poder público, que colaboraram para dividir a sociedade civil e fortalecer o preconceito e a intolerância.
Já vinha pensando em como seria a Parada um cadinho antes dela acontecer. Algumas pessoas referências do movimento diziam que não participariam, e não participaram. Pois, a Parada Gay estava descaracterizada, tornou-se o novo “carnaval da gameleira”. Concordo com isso quando ouço depoimentos como os de agressão a gays durante a parada, ou como notei vários rapazes olhando com cara de nojo um beijo gay, na Parada gay. A bagunça, a pegação atraem o público, fato.
Contudo acredito que existem mais coisas do que pura curtição na própria atitude irreverente dos gays quanto a expressar seus desejos carnais. Penso que o movimento Gay não pode ser comparado ao Movimento Social, por exemplo, o Movimento das Comunidades Eclesiais de Base, ou o Estudantil, quando estes ainda tinham identidades solidas. Acho que temos que nos lembrar da nossa contemporaneidade (ou pós-modernidade) e a sua descaracterização dos movimentos sociais, devido ao capitalismo que sugou nosso sentimento de contestar, e o vende em estampas de camisetas.
Então, eu (e, friso eu) acho que o movimento LGBT tem um pouco essa característica de contestar ao explicitar o lado sexual da coisa, que também tem muito a ver com o que eles desejam, a liberdade de expressão dos sentimentos. Afinal, o discurso religioso (católico) por anos proibiu o prazer, a idade média está ai para provar isso. Esse discurso ainda esta presente hoje e não permite que discutamos sobre sexo. Não preciso nem falar de boquete e relações homoafetivas por aqui, basta pensarmos na proporção de mulheres heterossexuais que tem a liberdade de se masturbarem antes da primeira relação sexual comparado aos homens. É um tabu, é um preconceito fruto de um discurso histórico e perpetuado até hoje. Por isso, acho que a postura “escrachada” de uma Parada Gay tem que nos fazer pensar e falar sobre o que não deve ser falado, como o sexo e sexualidade. Quem sabe se começarmos a falar talvez possamos fazer mais e assim o recalque iria pra cucuia e tudo caminharia para uma essência mais hippie, de paz e amor em proporções inimagináveis.
Só que também acho que a atitude confrontadora da Parada, não foi simplesmente a busca de liberdade de poder transar e amar quem você quiser, sem que o outro se sinta ofendido. Temos que considerar o contexto, o que antecedeu na parada gay, para inflamar tanto os ânimos. Porque como dizem as Escolas Marxistas e de Análise do Discurso não rola analisar uma frase sem entender quem a pronunciou, como a pessoa se sentia no momento, se estava com fome, querendo ser engraçado. Não dá para olhar só a estrutura sintática temos que entender o que está se passando.
E o que se passou neste ano para que a sociedade acreana ficasse atenta a qualquer fio fora da linha na Parada foi muita coisa.
Primeiro fato que em Rio Branco repercutiu de forma atravessada mais uma vez por culpa da inconsequência da Assembléia Legislativa acreana foi à censura ao Filme “Não quero voltar sozinho”. Não vou detalhar timtim por timtim dessa história. Mas, o fato é que aluno e professor não souberam se escutar e comunicar, e o babado, comunicado por fofoqueiros (aqueles que vivem para cuidar da vida do outro), foi parar na Assembléia Legislativa condenando um filme que buscava discutir o preconceito.
Outro acontecimento forte foi o anúncio da intenção do Governo Estadual de destinar recurso público para construção de um Parque Evangélico, isso trouxe outras muitas questões, jogadas políticas, e população brigando contra ela mesma mais uma vez.
Teve também o protesto contra as mudanças previstas na legislação através da PLC 122/2006, que dispõem sobre casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Sei que já pratiquei evangelicofobia. Sim, sou injusta por fazê-lo, me arrependo de dizer certas atrocidades, não é discriminando o outro que o preconceito será extirpado. Precisamos parar de generalizar, colocar o outro como vilão.
Por isso, fico triste vendo as pessoas se atacando por serem diferentes. Porque assim nunca teremos respeito. E, respeito não significa ficar calado de cara feia enquanto o outro (estranho a mim) se pronuncia, e depois sair dizendo “Eu não tenho preconceito, desde que ele não venha pra cima de mim.” Gente cadê o amor? Respeito é entender o outro, o diferente, e não buscar excluí-lo, varrê-lo como sujeira que infecta nossa sociedade “pura”. Isso é hipocrisia.
Analisando a Parada e sua repercussão casando com algumas leituras, acho que Arjun Appudurai tem toda razão quando diz que o medo ao pequeno número (as minorias) tende a fazer que a maioria queira excluir os outros. O que não é EU nem NÓS é ELE, é o outro, o diferente, o estranho, o alienígena. E, os gays, lésbicas, travestis, transexuais são o diferente, representam ameaça a ordem vigente de poder e dominação pelo simples fato de serem diferente. Mas, existem outros vários excluídos. O pensador ainda diz que a exclusão que fazemos do outro gera uma ação e reação de violência.
Não sei se estou certa nesses meus questionamentos, sei que posso estar sendo violenta e preconceituosa, peço desculpas. Mas, algumas coisas precisam ficar de lição. Uma delas é que o movimento LGBT vai ter que repensar a parada gay, a outra é que a Assembléia Legislativa do Acre me assusta.
2 comentários:
Tenho que dizer que concordo com vc em muitas coisas, o último parágrafo então realmente diz tudo...
Parabéns pela iniciativa de fazer uma abordagem verdadeira dos fatos. Tô cansada de ler só os famosos "bem ou mal" os que defendem com unhas e dentes seus respectivos lados sem se olhar ou olhar realmente o outro.
Que texto lúcido e corajoso. Obrigada. Bom saber que existe algum conteúdo na imprensa dessa cidade e vc, com certeza faz parte dessa parcela. Voltarei a seu blog, ebora não tenha costume nem tempo para blogar
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